Neste 28 de dezembro de 2023, vimos publicado no Diário Oficial da União, a Portaria MPA 177, de 27 de dezembro de 2027, em óbvio engano de data, corrigível facilmente em edição posterior, algo do tipo: onde lê-se, leia-se.
Mas esta é a parte fácil!
O que não é fácil e precisa ser encarado com muita urgência e seriedade é que o Registro Geral da Atividade Pesqueira - RGP, em seu módulo Embarcações não é confiável, sólido ou atual e os reflexos destas inconsistências na governança da pesca brasileira são crônicos, desgastantes e imorais. Esta Portaria só faz evidenciar a triste situação!
Embarcações carregam pescadores, equipamentos e capturas para posterior desembarque, elas são, o vetor do “Esforço de Pesca”.
Assim, sendo que a avaliação da saúde de pescarias é inicialmente determinada pela “Captura por Unidade de Esforço – CPUE”, onde a Captura é a quantidade de biomassa extraída (peso) e o esforço o número de anzóis, de armadilhas, de redes, de horas de arrasto, de dias de mar, entre outros, o Esforço, esta unidade, é justamente uma medida que deve refletir a energia dispensada para a captura.
Se existem 20 barcos com 50 armadilhas cada pescando 1.000 kg de lagosta em um intervalo de 7 dias, podemos calcular a CPUE como 1.000(Kg)/1000 (50x20) armadilhas e teremos CPUE=1.
Se aumentarmos para 30 barcos, com as mesmas 50 armadilhas e a captura for para 1.500kg, teremos 1.500(kg)/ 1.500 (50x30) e a CPUE continuará em 1.
Em determinado momento, o estoque de lagostas não suportará mais o aumento de esforço, ele não consegue se reproduzir e crescer, sustentar sua biomassa, nos níveis de explotação pretendidos e termos que, 50 barcos com 50 armadilhas cada serão capazes de pescar apenas 2.200kg, daí a CPUE será 2.200/2.500 (50x50) e teremos CPUE=0,88, indicando que apesar de 2.200 ser mais que 1.500 e movimentar mais pescadores, mais embarcações, mais insumos e produzir mais capital, a Natureza, em seus estoques pesqueiros, está sofrendo, não mais suportando os mesmos níveis. Isto se verifica pela CPUE, que passou de 1, para 0,88. No anos seguintes, mantido o mesmo esforço, é provável que a captura caia um pouco mais, para 2.050 kg e teremos a CPUE em 2.050/ 2.500 (50X50), indo para 0,82 com o estoque sofrendo e algumas embarcações empenhando, não produzindo o suficiente para pagar seus custos e gerar os benefícios esperados pelo uso dos recursos naturais, assim sucessivamente, até que a atividade e às vezes o estoque sofram colapsos e não mais sejam viáveis. São vários e vários os exemplos disto em diferentes partes do globo e com diferentes recursos pesqueiros.
Estas contas e realidade, exemplos super simplificados, explicam a importância de se conhecer Captura e Esforço. Sem esta medida ou variável, que é carregada (prioritariamente, pois existem pescarias desembarcadas) por embarcações não se faz gestão pesqueira.
Podemos fazer o exercício para lances de traineira e capturas de sardinha, para metros de rede e captura de corvina, para horas de arrasto e captura de camarões, para número de anzóis e captura de atuns, para todas as pescarias em suas modalidades e recursos, mesmo as modalidades com múltiplos recursos, deve sempre existir uma forma de determinar capturas e esforço e, na CPUE, monitorar a saúde dos estoques pesqueiros.
Na atual situação de cadastros e registros de embarcações, não temos como dimensionar Capturas e Esforço, pois barcos sem registro adequado não podem ser monitorados, não entregam relatórios de produção, os Mapas de Bordo e portando, não é possível na consolidação das informações de frotas, se estabelecer a CPUE, conhecer e administrar variáveis de forma a garantir a saúde de estoques pesqueiros, função prioritária, imagina-se, de um órgão ao qual foi confiada a atividade, condicionada à SUSTENTABILIDADE dos recursos naturais utilizados.
A situação de postergação das análises evidentemente necessárias à renovação de Registros de Embarcações e Autorizações de Pesca, remonta a 2016, quando a pela primeira vez foi publicada Portaria neste sentido, a Portaria 108/2016 SAP/MAPA, decorrente de uma situação herdada da extinção do MPA em outubro de 2015 e a transferência de suas atribuições a criada Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, então sob o comando de Katia Abreu, no segundo mandato de Dilma Roussef, que foi interrompido pelo impeachment, assumiu então Michel Temer, que colocou Blairo Maggi como ministro e a situação foi que safras estavam acontecendo e não havia sistemas e equipes para as necessárias avaliações.
Reparem, naquele momento foram concedidos apenas 120 dias de prorrogação, mas deste então nunca mais se voltou à “normalidade” e, por diversas normas, em distintos órgãos por onde passou a Autoridade Pesqueira, passou-se a acumular protocolos e comprovantes de pagamento e virou uma enorme bagunça, um tecido podre sobre o qual vai-se fazendo remendos e emendas que distanciam da sociedade o Serviço Público que deveria ser prestado.
Isto nos coloca em situação vexaminosa, primeiro internamente, pois o usuário, regulado, sem reconhecer competência e autoridade no regulador, desmerece normas e confia na impunidade, empresas precisando de produção para manter seus negócios buscam caminhos e compras sem comprovação de origem e legalidade, perde-se a amarra da rastreabilidade, e externamente, vivem os exportadores, fica a ridícula situação de precisar justificar a clientes e autoridades, o absurdo de anexar autorizações vencidas e cópias de normas para justificar origem de produtos exportados.
A realidade é que o RGP, como Sistema sempre foi ruim, e houve muita manipulação de cadastros e registros, uso indevido de senhas, fraudes e corrupção.
É passado o momento de refazer tudo do zero, eliminar pastas e arquivos físicos obsoletos e processos intermináveis, corrompidos e sem lógica;
É necessário e talvez seja este um momento adequado, pois o Sr. Presidente da República é o mesmo que criou em 2009 o Ministério da Pesca e Aquicultura, e que em seu primeiro mandato criou a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca – SEAP, que operacionalizou o RGP por meio da Instrução Normativa nº03/2004 SEAP-PR.
Temos um Ministro, Sr. André de Paula, com grande capacidade de interlocução política, um homem de seis mandatos consecutivos como deputado federal, conhecedor profundo dos atalhos e caminhos para acordos políticos; temos um novo momento de compartilhamento de atribuições de Autoridade Pesqueira entre MPA e MMA, este liderado pela Sra. Marina da Silva, muito conectada à Sustentabilidade e à sua disseminação pelas atividades usuárias de serviços ecossistêmicos.
É possível e necessário encarar este assunto de uma vez por todas e reestruturar sistemas para, com base num novo cadastro, conhecer frotas, produção e esforço pesqueiro; ter disponíveis dados e informações que permitam gerenciar a atividade e estabelecer limites de explotação, mecanismos de gestão e desenvolvimentos que permitam extrair da Natureza respeitando-a e garantindo a sua Sustentabilidade, beneficiando social e economicamente seus atores e tendo claro que para isto deve perpetuar-se o meio ambiente e sua biodiversidade.
A Portaria nº 177, de suma importância pois em 31 de dezembro cairiam muitas das autorizações já prorrogadas, tem erros crassos na referenciação de datas pois, conforme o seu artigo 1:
“Art. 1° Ficam prorrogadas, até 31 de dezembro de 2024, a validade das Autorizações de Pesca deferidas a partir de 1° de janeiro de 2016 no Sistema Informatizado do Registro Geral da Atividade Pesqueira - SisRGP pendentes de renovação.
Parágrafo único. Serão consideradas inválidas as Autorizações de Pesca que estiverem em desacordo com o caput.”
Há um enorme número de Autorizações cujo último deferimento é de 2014 e 2015
A grande concentração dos problemas se dará nas Autorizações de Lagosta, que deixaram de ser renovadas em cumprimento à “Recomendação nº12/2014” do MPF/MPT/CE, posteriormente endossadas pelo ACÓRDÃO Nº 2625/2017 – TCU – Plenário, que aqui disponibilizamos com seu relatório, de leitura muito interessante e explicativa da medíocre situação de cadastros e registros e da longevidade desta situação. Mas muitas embarcações em várias modalidades e regiões estão nesta situação, a Portaria precisa correções urgentes, sob o risco de colocar na ilegalidade milhares de embarcações , observado o Paragrafo único de seu Artigo 1º.
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