Pescaria da Tainha Sudeste - Sul do Brasil
Todo ano uma surpresa - para este, cota ZERO para as traineiras
O mês de março apresentou situações complicadas para o setor pesqueiro, tanto produtores primários artesanais e industriais como processadores, comerciantes internos e exportadores têm experimentado circunstâncias de vergonha, desconfiança e de falta de credibilidade, derivadas, em sua ampla maioria, de realidade herdada de falta de governança e subjetividade normativa, generalizações, enfim, situações já conhecidas que desaguam neste momento em um endurecimento, sob certo ponto de vista desproporcional, de ações fiscalizatórias oportunistas e sensacionalistas.
Já sabemos que a tainha (Mugil liza) é um importante recurso pesqueiro das Regiões Sudeste e Sul do Brasil, sendo do interesse da pesca industrial, principalmente vinculado ao valor econômico das gônadas (ovas) no mercado externo, e pela pesca artesanal para atender o mercado interno e sua tradição cultural.
Considerando que a valoração da Biomassa passa por extrair o maior benefício do volume pescado e que isto se dá quando o foco está nas ovas, que vão amadurecendo e ganhando volume conforme os cardumes migram para nordeste e a proporção do peso ovas/peso total aumenta, é um caminho questionável o do ordenamento pesqueiro vigente.
As condições ambientais favorecem agregações reprodutivas da espécie e determinam a saída do recurso do ambiente estuarino, áreas de alimentação e crescimento, para regiões costeiras do Sudeste e Sul do Brasil.
O ordenamento desta pescaria, vem sendo proposto por limitação de esforço e definição de áreas de proibição da pesca, e sob a influência de Processo movido pelo MPF/RS, cuja sentença determinou o cumprimento dos termos contidos na Instrução Normativa IBAMA nº 171/2008, até que fosse finalizado o Plano de Gestão para o Uso Sustentável da Tainha, cujo prazo de elaboração concedido, se encerrou em 2014 e, em 2015, publicou-se oficialmente o Plano de Gestão da Tainha.
A partir das recomendações do Plano, uma nova regulamentação para ambiente marinho e desembocaduras de rios está em vigor, além de redução no número de embarcações de pesca e características físicas destas embarcações, que também passaram a ser ponderados (ex: arqueação bruta - AB).
No ano de 2016, os resultados de estudo que avaliou a situação do estoque pesqueiro, encomendado pela OCEANA, sugeriram o controle da pesca por meio de um limite de captura (cota).
Em 2017, considerando as recomendações do Plano de Gestão e do Subcomitê Científico do CPG Pelágicos SE/S, foi regulamentada a redução anual contínua de 20% da quantidade de embarcações e da soma total de AB.
No ano de 2018, após inúmeras propostas que foram apresentadas e debatidas pelo governo, setor, academia e organizações da sociedade civil, no âmbito do CPG Pelágicos SE/S, e então se estabeleceram as bases para a gestão por limites de captura, a primeira e até recentemente a única pescaria brasileira sob este regime de gestão (Portaria Interministerial MPA/MMA nº 2/2023). Implementou-se, cotas de captura para a pesca da tainha. O regramento foi estabelecido por meio da Portaria SG/PR/MMA nº 24/2018 com 2.221 toneladas para a frota cerco/traineira e 1.196 toneladas para a frota de emalhe anilhado. Além das cotas, o controle da pesca contou com as informações de armadores, pescadores, indústrias e empresas de pesca que reportavam a captura e a aquisição da tainha no “TAINHÔMETRO”, sistema este criado pela Oceana em parceria com o governo federal. Esta safra foi excepcional, em menos de 10 dias de produção, foi capturado 5.663 toneladas, extrapolou-se a cota defina, sem que houvesse tempo de consolidação e comunicação do fechamento da safra antes do excedente.
No segundo ano do sistema de cota, 2019, o volume estabelecido foi de 1.592 toneladas para as traineiras, uma redução de 28%, Esta redução reflete uma extrapolação de cota em 2018, entretanto foi mantido o volume para emalhe anilhado, que em 2018 produziu 1.094 toneladas. A novidade neste 2019 foi a entrada em funcionamento de sistema próprio do Governo , o "SISTAINHA". A temporada de pesca foi marcada por uma baixa produção, com o volume de captura registrado de 1.085 toneladas para as traineiras e 514 toneladas para os anilhados, e finalizada sem que as modalidades de pesca atingissem a cota definida.
Em 2020, após nova “revisão” da avaliação de estoque da tainha (Mugil liza) realizado pela Universidade de Vale de Itajaí – Univali, em parceria com InstitutoInteramericano de Cooperação para Agricultura –IICA, concluindo que o limite de captura anual de 4.481 toneladas, seguia adequado, mesmo assim a cota para as traineiras industriais foi reduzido significativamente, e passou para 627,8 toneladas (redução de 60%), enquanto que para embarcações de emalhe anilhado manteve-se o volume de captura.
Para o ano 2021, a tendencia de favorecimento da produção não controlada se evidenciou, estabelecidos os limites de 605 toneladas para cerco/traineira (nova redução, agora de 3,6%) e de 780 toneladas para emalhe anilhado (redução de 34,7%).
Finalmente, para ano de 2022, 600 toneladas foi definido para cerco/traineira (-1%) e 830 toneladas (+ 6%) para emalhe anilhado.
Sendo que nestas três temporadas, 2019, 20 e 21 não foram atingidos os limites estabelecidos.
Agora, em 2023, segundo a Portaria Interministerial MPA/MMA nº 1, a cota definida foi de ZERO tonelada para as embarcações de cerco/traineira (100% de perda) e 460 toneladas para emalhe anilhado.(-44,56%).
Considerando o limite de captura anual, e as cotas definidas ao longo desses anos, temos:
Nota-se, conforme o gráfico acima, que os volumes de captura foram /são distribuídos de forma questionável, e principalmente sem justificativa que reflita diretamente no estado do estoque pesqueiro. Enquanto que as modalidades de pesca que são submetidas ao regime de cota de captura (cerco/traineira e emalhe anilhado), são sujeitas aos critérios e regramentos de ordenamento, registro e monitoramento ao longo do ano todo, para obter a Autorização de Pesca Especial Temporária e o volume de captura à ser permitido só diminuiu, enquanto que para pescarias igualmente importantes e possivelmente mais impactantes, que direcionam a captura em indivíduos juvenis, e seguem sem controle algum e com demarcações de área de pesca meramente teóricas e suas capturam aumentaram expressivamente.
Portanto, mesmo considerando a importância de pescarias artesanais em seus aspectos sociais e ambientais, é óbvio que o impacto ambiental e a relação custo x benefício de pescarias dentro de estuários, ou criadouros, deveria ser melhor considerado e refletido em normas e políticas públicas.
Infelizmente, parece haver uma componente política e protecionista suplantando uma lógica técnico-científica e de agregação ao valor econômico à produção, além de uma obvia derivação de controle, neste sentido, a política pública perde em credibilidade, o país em divisas e a sociedade em oportunidades de emprego e renda, e o recurso ao seu manejo adequado.
Ainda, fica claro que existem muitas dúvidas e incertezas quanto a Biomassa, distribuição e comportamento desta espécie. Sistemas lagunares e estuarinos do Uruguai e da Argentina, destacadamente o Rio da Prata, certamente tem enorme importância e como espécie transnacional, um enfoque de gestão multilateral precisa ser desenvolvido. Conhecer gatilhos de migração e padrão de agregação é necessário para previsão e estabelecimento do melhor manejo, e, tem demonstrado os dados, com base exclusiva em capturas registradas e seus limites, há inconsistências importantes nas medidas propostas.
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