17/jan/2025.

Filiados e leitores, chamamos mais uma vez sua atenção para refletir sobre conceitos, estratégias de desenvolvimento, equilíbrio e erros em políticas públicas que acabam prejudicando a atividade pesqueira.
Informar que nos últimos meses, o presidente em exercício deste Conepe, Cadu Villaça, participou, por indicação da Aliança Latino-Americana para a Pesca Sustentável - Alpescas, de um processo seletivo para compor o Conselho da Fisheries Transparency Initiative (FiTI), ou Iniciativa Global pela Transparência na Pesca. Entendem seus fundadores, componentes e seguidores que importante passo para a Sustentabilidade pesqueira está na Transparência com que governos, municiados por dados fidedignos de usuários de recursos pesqueiros, compilam e disponibilizam estas informações à sociedade em geral. O Processo finalizou na última sexta feira, dia 10 e a primeira reunião, de boas-vindas aos novos Conselheiros ocorreu na segunda-feira, dia 13. Apesar de ser uma indicação institucional, as nomeações são pessoais, por mandatos de 3 anos, O Conselho que é composto por segmentos do mundo pesqueiro. Membros de Governos, da Pesca Artesanal, da Pesca Industrial (nosso caso) e de Organizações da Sociedade Civil e esta diversidade de origens e perspectivas é um dos princípios que guiam e fortalecem a Iniciativa.
O foco está em Estados, ou países, que devem se comprometer com os princípios em atingir e publicizar um padrão de informações que permita o acompanhamento e fomente a melhor gestão dos recursos, com o objetivo óbvio de manter-lhes em níveis sustentáveis, em seus aspectos ambientais, sociais e econômicos. O cerne, eixo principal da iniciativa, tem que ver com Ética, com Integridade, algo que recém comentamos, derivado do Programa Rede Mais Integridade, recém implantado a nível MPA. Boa sinergia!
Vamos melhor conhecer o time, as diretrizes e as ferramentas disponíveis e em desenvolvimento e certamente passaremos a transmitir e demandar dos senhores, suas instituições e empresas, considerações e posicionamentos que influenciem e fortaleçam ainda mais este movimento, que tem recebido grande adesão e reconhecimento
Não há nenhuma condicionante, mas é natural que busquemos um alinhamento também do Brasil com a FiTI, nossos vizinhos Equador e Chile já estão muito avançados, o Equador à frente, mas o enfoque é global, os Oceanos e seus recursos têm isto, diversidade, multiculturalidade e riquezas, e a melhor linguagem possível é aquela baseada na transparência, na confiança e no respeito. No vídeo há um breve resumo e apresentação dos conceitos e da proposta FiTI.
Em um outro importante e já esperado movimento, saiu em Edição Extra do Diário Oficial, na última sexta-feira dia 10 de janeiro, a Lei 15.097 que disciplina o aproveitamento de bens da União, as áreas no leito marinho, que serão definidas por coordenadas de seus vértices, para empreendimentos em mar aberto sobre os quais poderão ser licenciados projetos de exploração da eólica offshore. Portanto, para a instalação de bases e estruturas de fixação e ancoragem de torres e turbinas eólicas. É uma interferência importante no ambiente marinho, haverá restrição de áreas de pesca, restrição a rotas de navegação e uma série de impactos à vida marinha (e entendamos cadeias tróficas e recursos pesqueiros). Quando se olha em detalhe a abrangência dos projetos em prospecção e aqueles já submetidos a licenciamento, podemos pensar até mesmo em alteração de circulação e sedimentação. Devemos considerar, ainda, a competição por mão de obra pois, muito provavelmente, assim como acontece na indústria do petróleo, haverá demanda por operações de suporte e mão de obra aquaviária.

São as realidades do desenvolvimento, a demanda por energia e decisões estratégicas conduzem a projetos offshore, isto não é exclusividade brasileira, tem-se visto esta tendência globalmente, assim como os conflitos e consequências destas decisões no ambiente e nas atividades desenvolvidas no mar. Há alguns meses, um relatório desenvolvido entre a Empresa Pública de Energia - EPE e o Banco Mundial avaliou o potencial de desenvolvimento destes projetos em diferentes cenários, aqui se pode acessar o Resumo Executivo disponibilizado ao acesso público.
Importante o reconhecimento da atividade pesqueira como de uso histórico e constante deste ambiente, como gerador de empregos, de renda, de uma cultura e de segurança alimentar, não são só artesanais e as comunidades costeiras que serão afetados, a pesca industrial e semi-industrial (termo que muito melhor caracteriza a componente “industrial” da pesca brasileira) também serão seriamente impactadas, pelos mesmos motivos. Fundamental ver funcionarem, dentro de critérios claros e transparentes, mecanismos de compensação e criação de alternativas, seja no âmbito do Planejamento Espacial Marinho, nos conceitos em maturação da Lei do Mar (PL 6.969), dentro daquilo que se desenvolve em propostas de reforma da Lei da Pesca. Fundamental um arcabouço jurídico que transmita à sociedade consideração, respeito e dignidade por uma atividade que é mais que secular, que envolve transporte, indústria e serviços, numa cadeia de valor abrangente, ampla e com características de distribuição de benefícios muito peculiar. Conceitos estes minorados, por exemplo, pela indústria petrolífera, neste mesmo Setor Energético, que tem processos de licenciamento que a exime de considerações mais idôneas a respeito de impactos presentes e futuros no ambiente marinho, desde operações de prospecção sísmica, até a perfuração e drenagem de poços de petróleo e gás.

Já desde o ano passado, no Sul do Brasil, na Bacia de Pelotas, um levantamento sísmico em desenvolvimento tem causado transtornos importantes a frotas, suas tripulações e indústria, com restrições a áreas tradicionais de lançamento de espinhel, com diminuição de abundância de recursos e sua captura, com aumento declarado por mestres e pescadores de aparecimento de animais mortos ou desorientados em alto mar, neste exato momento, período de safra e importantes capturas de peixe prego, os barcos reportam baixas produções e buscam alternativas em áreas e espécies distintas, rompe-se um conhecimento adquirido, um saber. Igualmente se observam diminuições na captura de Bonito Listado, o Gaiado, produto base para as indústrias conserveiras na produção do atum enlatado. Toda esta perda, este impacto tanto na produção primária como em toda sua cadeia de valor, isto é minorado e não considerado nas condicionantes para o licenciamento, um absurdo, um desrespeito! Sendo uma atividade de extraordinário retorno, a Indústria do Petróleo deveria, necessariamente, assumir os prejuízos e limitações que impõe a outras que usam o mesmo ambiente e cabe ao ordenador equacionar estes conflitos, estas realidades e prever instrumentos de compensação e equilíbrio.

Aliás, deve-se considerar não só os impactos operacionais instantâneos, na passagem do navio de sísmica, mas os prejuízos ambientais decorrentes, que certamente trazem implicações negativas de médio e longo prazo. Poderia por exemplo ser condicionante uma inspeção do leito marinho pós passagem do navio sísmico, avaliação de impactos em colônias de corais de profundidade, algas calcáreas, deslocamento de sedimentação fina, considerando ainda a enorme contribuição que levantamentos assim dariam a um melhor conhecimento destes ambientes e sua biota, Ciência!
Ter em conta que não é só no Sul, também no Nordeste se desenvolvem atividades sísmicas neste momento, na chamada margem equatorial, com efeitos danosos a vários recursos, destacadamente a Lagosta, cujo ciclo reprodutivo é caracterizado por desovas na quebra de plataforma e talude superior e depois ovos e larvas que compõem uma massa biológica planctônica que fica circulando e se transformando (metamorfose), em suas várias fases e formas larvais por até onze meses (sim quase um ano!), para depois, e sob a mágica da vida e da Natureza chegarem a águas mais rasas, costeiras e se assentarem, como puelurus, mini lagostinhas transparentes e, então se desenvolverem as que escaparem de predadores e depois de 2, 3 anos ingressarem, como recrutas, no estoque pesqueiro.

Muitas serão capturadas, 5-6 mil toneladas/ano, outras sobreviverão, protegidas por longos defesos de pesca, 6 meses, e outras medidas em implantação, para que, ao final possam chegar às áreas profundas e, em novo início de ciclo, liberarem ovos fecundados dando início a uma outra geração. Aí passa um Navio de Sísmica, detonando a tal massa planctônica, lindo! Mas não se preocupem, se alguém perder material, cabos ou armadilhas, existem ferramentas no mecanismo de licenciamento que garantem a reposição, e, claro, tudo muito bem esclarecido em Audiências Públicas contundentes, de grande esclarecimento à Sociedade.
Desculpem a ironia, mas é a forma mais educada de responder a tamanho descaso!
Aproveitando que mais acima tratamos do Bonito Listado, o Atum de Conserva, não podemos deixar de comentar o absurdo acontecido nas recentes revisões e no texto aprovado e sancionado da Reforma Tributária, onde festejável e lógico que seja a inclusão de Pescados nos itens da Cesta Básica, por desconhecimento ou má interpretação, (para não pensar em más intenções), o peixe em conserva acabou não incluído. Acreditem!!! O que é o peixe em conserva afinal? É um peixe fresco, eviscerado e escamado, eventualmente cortado em pedaços ou filés, que é colocado cru dentro de uma lata, o equivalente a uma panelinha, lhe é acrescido tempero (sal, molho de tomate ou óleo ou azeite) e é cozido em controle industrial de temperatura e tempo, depois são hermeticamente tampados e rotulados, para distribuição. A elaboração pela que passam é o cozimento em processo de pasteurização, o que lhes garante condições sanitárias, de validade e características nutricionais excepcionais. Isto, de forma alguma pode ser considerado alimento ultraprocessado! Ainda, pode ser transportado e armazenado em temperatura ambiente, não demandam energia extra e obviamente tem benefícios de logística quanto à pegada de carbono. Usam preponderantemente recursos de grandes volumes e preços acessíveis à população de baixa renda, a Sardinha (maior produção pesqueira brasileira, algo acima de 100 mil toneladas em 2024) e atuns de menor valor e grandes produções o Bonito Listado, já citado, entre 25 e 30 mil toneladas e os Atuns Pequenos do Nordeste, da frota artesanal do Cardume Associado, algo próximo a vinte mil toneladas. Repetimos, são atuns em conserva, nada que ver com peças de sashimi e alto valor, é produto básico, cheio de qualidades e totalmente aptos a compor uma Cesta Básica, aliás, Cesta esta que nem precisaria ser ligada na tomada!! Houve, como dissemos acima, uma má interpretação ou explicação, mas este erro precisa ser revisto. A não inclusão das conservas na Cesta Básica implicará no encarecimento deste produto e isto afetará, obviamente deste a cadeia de produção à cadeia de consumo.

Foto: Luís Carlos Matsuda, agradecimento especial ao SINDIPI
O produto é no caso da sardinha, é um pequeno pelágico, forrageiro, base da cadeia, ciclos de vida curto, alto poder reprodutivo, a essência do recurso, explotado pela frota mais desenvolvida do Brasil, barcos modernos, bem equipados, com tripulações de 15-18 homens, que descarregam grandes quantidades, que geram empregos em terra, em equipes de descarga, promovendo a distribuição de riqueza, tambem no transporte para as Conserveiras, indústrias importantes com acima de 1000 colaboradores, formais, registrados, com direitos, que entregam produtos que tomam caminhos de distribuição diversos mas que, invariavelmente, levam aos consumidores alvo da chamada Cesta Básica, o brasileiro de média-baixa renda, com limitações orçamentárias, lamentáveis, que precisa controlar, quando dispõe, até mesmo do consumo de energia e que, se pretende e deveria ser prioridade na politica pública, possa alimentar sua família com excelência nutricional!

Foto: Towfiqu barbhuiya
Há um erro, um erro crasso, e chamamos a atenção, respeitosamente, dos senhores Parlamentares e do Executivo, não é possível que um desvio tão gritante da lógica da segurança alimentar não seja reconsiderado. A Reforma precisa retoques! Por favor, o “Pedreiro” se esqueceu de instalar um registro, o registro da coerência, do razoável, da Sustentabilidade, que deveriam ser refletidas em implicações fiscais, tomando em conta aspectos sociais, econômicos e ambientais!
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