Ambiguidade Normativa, Truculência e Perdas no Pará.
O mês de março tem apresentado situações complicadas para o setor pesqueiro, tanto produtores primários artesanais e industriais como processadores, comerciantes internos e exportadores têm experimentado circunstâncias de vergonha, desconfiança e de falta de credibilidade, derivadas, em sua ampla maioria, de realidade herdada da falta de governança e subjetividade normativa, generalizações, enfim, situações já conhecidas que deságuam agora em um endurecimento, sob certo ponto de vista desproporcional, de ações fiscalizatórias oportunistas e sensacionalistas.
Em 2018, após rara cooperação construtiva entre órgãos de governo, academia e setor produtivo, como resultado de Grupo de Trabalho Interministerial sob coordenação do MMA, após atuação e insistência deste Conepe junto aos Órgãos envolvidos, alguns recursos pesqueiros listados na Portaria MMA 445/2014 foram considerados passíveis de uso, pelo Ministério do Meio Ambiente, desde que seguissem medidas conjuntas de ordenamento, monitoramento e controle, gerando informações e subsídios à verificação de efetiva recuperação dos estoques em questão, conforme os Planos de Recuperação aprovados, assim como, eventualmente, indicassem necessidade de ajustes e novos enfoques.
A Portaria Interministerial 42/2018, define regras para o uso sustentável e a recuperação dos estoques da espécie Lutjanus purpureus, o Pargo do Norte, importante recurso pesqueiro, com distribuição no Norte e Nordeste brasileiro, predominantemente na costa Norte, associado aos bancos coralinos, recentemente descritos na Plataforma Externa daquele litoral.
Seu Artigo 5, determina:
Art. 5º As pessoas físicas ou jurídicas que atuam na captura de Lutujanus purpureus (pargo),
bem como na conservação, beneficiamento, industrialização ou comercialização da espécie, deverão fornecer às Superintendências do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, até o dia 22 de dezembro de cada ano, a relação detalhada do estoque desta espécie, existente até o dia 18 de dezembro de cada ano, nos moldes do Anexo I desta Portaria Interministerial.
§ 1º Durante o período de defeso estabelecido no caput do art. 4º desta Portaria Interministerial, o transporte, a estocagem, o beneficiamento, a industrialização e a comercialização de qualquer volume de Lutujanus purpureus (pargo), só serão permitidos se originários do estoque declarado na forma deste
artigo.
§ 2º O transporte, a estocagem, o beneficiamento, a industrialização e a comercialização de
qualquer volume de Lutujanus purpureus (pargo), fica proibido de 16 de fevereiro a 30 de abril de cada ano.
Portanto, o Artigo estabelece a obrigatoriedade de usuários em declarar, após 7 dias do início do período de defeso, os estoques de que dispõe. Seu parágrafo 1º Determina que qualquer operação com esta espécie, incluindo a estocagem durante o período de 15 de dezembro a 30 de abril (defeso), só poderá ser feita se proveniente de estoque declarado até o dia 22 de dezembro. O que é obviamente muito pertinente! Até aí, tudo certo!!
Mas o parágrafo 2º, em evidente contradição ao 1º, cria um subperíodo dentro do período de defeso, compreendido entre 16 de fevereiro e 30 de abril, em que as mesmas operações ficam proibidas. Ora!! A contradição é explícita, e o pior, entre as operações proibidas inclui-se a estocagem, ou seja, pretende-se que o usuário se desfaça daquilo que ele comprou e declarou, em tempo, às autoridades competentes.
É uma situação tão absurda que merece, apesar de ter tido seu início em operação de fevereiro, ser relacionada nesta nossa série “São as Broncas de Março...”, pois persiste a situação, inclusive com mais constrangimento e prejuízos imputados a indústrias e comerciantes, algumas investidas espetaculosas de fiscalização, autos de apreensão e prejuízos comerciais. Ainda em fevereiro, fomos consultados a respeito pelo blog Setor Pesqueiro em Pauta, que postou nossa opinião na forma de um Podcast, ouça aqui.
Recém-chegados de uma feira de grande exposição e importância nas negociações do Pescado Brasileiro, a Seafood Expo North America, estavam exportadores e produtores na desagradável situação de “Infratores” de Normas ambíguas e cuja incoerência nos passou desapercebida naquele momento, em 2018. Passou, e entendemos como função do Fiscalizador fazê-la cumprir, literalmente, em sua atribuição regimental e institucional. Acatamos e estamos cada qual, individual e coletivamente, providenciando remédios e caminhos de contestação jurídica à situação, há em trâmite um esforço administrativo dos órgãos competentes em readequar a norma, através de uma retificação, mas os tempos da administração pública são dilatados, os processos passam por pareceres técnicos, aprovações em várias esferas, autorização de submissão às assessorias jurídicas, análise e pareceres jurídicos, e, se não tiver nada a ser corrigido (o que não é comum), encaminhamento à publicação. Neste caso específico, em se tratando de Portaria Interministerial, o caminho deve ser cumprido nas duas casas, MPA e MMA.
Paralelamente, e muito menos impactante em relação a volumes, valores e contingente social envolvido, na mesma situação de listada na Portaria n.º 445 e passível de uso, condicionado ao cumprimento do Plano de Recuperação, existe a Portaria Interministerial 43, que regulamenta a pesca da Gurijuba. Nela estão definidos tamanho mínimo, período de defeso, obrigatoriedades à frota produtora e previsão de medidas complementares ou de ajuste. Em seu artigo 3º, sobre operações no período de defeso tem-se:
Art. 3° Fica proibida a pesca direcionada, o transporte, o desembarque e a comercialização da espécie Sciades parkeri (gurijuba) e seus subprodutos durante o período de 17 de novembro a 31 de março, para todos os métodos de captura e para todas as embarcações.
§ 1° As pessoas físicas ou jurídicas que atuam no armazenamento, transporte, no beneficiamento, na industrialização ou na comercialização da espécie Sciades parkeri (gurijuba) poderão realizar essas atividades durante o período estabelecido no caput, exclusivamente, quando fornecerem, até o dia 25 de novembro de cada ano, a declaração de estoques preenchida conforme consta no Anexo I desta Instrução Normativa Interministerial, a ser entregue nas Superintendências do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama.
§ 2° Durante o período estabelecido no caput, o transporte, a estocagem, a conservação, o beneficiamento, a industrialização e a comercialização de qualquer volume de Sciades parkeri (gurijuba) ou seus subprodutos serão somente permitidos se originários de estoque declarado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e se estiverem acompanhados de cópia da respectiva declaração, nos moldes do Anexo I desta Instrução Normativa.
§ 3º A retenção a bordo e o desembarque da espécie Sciades parkeri (gurijuba), por qualquer embarcação, serão tolerados até o dia 20 de novembro de cada ano.
Igualmente à Portaria 42/2018, prevê-se a Declaração de Estoque e a óbvia condicionante de operações com este produto, no período estabelecido, somente se proveniente de estoque declarado. Não há, portanto, ambiguidade nesta regra.
Há entretanto o fato desta obrigatoriedade de Declaração não ter sido absorvida por alguns e a comercialização de estoques ocorreu sem fiscalização em 2019, 2020, 2021 e 2022, sendo que, no atual defeso a fiscalização tem atuado no sentido de inspecionar estoques, se declarados ou não e, identificando quantidades existentes, lavrar autos de apreensão, mas o tem feito de forma intimidatória e sensacionalista, sem discrição, profissionalismo e sensibilidade que procedimentos desta natureza deveriam seguir, inclusive no trato e respeito devido a funcionários destes estabelecimentos.
Baseados em informações de compra, entregues por estabelecimentos após a devida notificação, agentes do IBAMA enviaram a algumas empresas caminhões para coleta de pescados para doação, sem que tivesse sido lavrado nenhum auto de doação, validado o estoque físico e sem que a empresa tenha tido tempo de apresentar argumentos como rendimento industrial, para comprovar a quantidade em estoque, em operações apressadas e atropelando ritos processuais razoáveis.
Acatada a situação de não declaração e eventuais sanções aplicáveis, envolvidos certamente se adequarão às normas, desde que coerentes e, com diálogo, colaboração e participação, certamente chegaremos ao pretendido cumprimento de normas (Compliance) e à recuperação de estoques pesqueiros, objetivo central desta iniciativa de política pública.
E por fim, destacamos nossa participação, na última semana, em evento organizado pelos Poderes Municipais de Bragança e Augusto Correia, municípios paraenses muito ligados ao recurso Pargo, e pela Associação Brasileira dos Produtores de Pargo, a quem agradecemos pelo convite e oportunidade de aprendizado.
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