Independente do envolvido, se A ou B, se grande ou pequeno, se industrial ou artesanal, se governo, se setor produtivo, se academia ou ainda se terceiro setor, este Coletivo tem constantemente se pronunciado sobre a necessidade de atores da pesca brasileira se imbuírem de responsabilidade e atenção para trazer à atividade o respeito e a credibilidade merecidas e necessárias. Trata-se de atividade extrativista, em ambiente natural, responsável pela produção de proteína nobre e rica, com grande capilaridade geográfica e social, além de regras de distribuição de renda bastante peculiares.
Especificamente nas pescarias de atuns, a gestão é exercida pela ICCAT, Comissão Internacional, com sede em Madrid, que monitora e orienta seus países membros, com foco na conservação dos estoques do Oceano Atlântico.
O Brasil tem importante reputação nesta comissão e nossos posicionamentos quanto aos estoques de atuns tropicais têm eco. Mais recentemente, em discussões sobre a Albacora Bandolim – BET e a Albacora lage – YFT, que se aproximam de níveis de capturas máximas sustentáveis, temos argumentado com coerência e compromisso! Na busca de soluções, todos se comprometeram em estagnar as capturas voltadas para Albacora Bandolim, reduzindo inclusive números previamente obtidos e discute-se pela implementação de cotas e o difícil exercício de alocá-las entre os países, consolidando interesses de um conjunto tão diverso de atores e condições.
Muito claramente, existem: o bloco dos grandes produtores, constituído pela comunidade europeia e países asiáticos; os médios produtores, onde se enquadram o Brasil e um grupo de países africanos e caribenhos; e os países que menos capturam, mas que possuem autênticos planos de desenvolvimento.
Entre os maiores produtores, há clara divisão entre os países europeus, com predomínio de grandes embarcações cerqueiras que operam com o uso de dispositivos agregadores de pescado (FADs) e predominantemente capturam juvenis, e a frota asiática, de espinhel, que operam em alta profundidade e sobre indivíduos adultos.
Já o grupo em que o Brasil se enquadra, este possui uma composição mais eclética , temos frotas de espinhel, de vara e isca e os cerqueiros. Há também países africanos e caribenhos, com economias em desenvolvimento, cujas frotas são compostas por embarcações próprias e de origens diversas, embandeiradas por estes países e com investimentos igualmente estrangeiros.
E os pequenos produtores, na maioria composta por países do Hemisfério Sul, com pouca capacidade financeira, mas que buscam seu lugar ao sol e oportunidades de desenvolvimento.
Há uma clara polarização entre o Brasil e os interesses europeus, ambos trabalhando em pescarias em sua maioria de superfície, os europeus com uso de embarcações mega equipadas, de capacidades superiores a 800 t de porão (alguns barcos de 1.800 t), FADs, lanchas de apoio etc; e nós, com nossos barcos entre 13-17 metros, com média de capacidade de porão entre 15 e 18 t, em viagens heróicas e condições de trabalho bastante duras, predominantemente nas modalidades de vara e linha, com o crescimento e consolidação da modalidade de pesca de cardume associado.
Este tem sido o alicerce de nossa argumentação na Comissão: que a produção brasileira, se tratando de país costeiro, com economia em desenvolvimento e preponderantemente artesanal, merece especial atenção e prioridade em exercícios de alocação de cotas, e assim temos conseguido nos segurar, sem perder um avanço importante nas nossas capturas, obtido em 2018, após a revisão de dados e formalização da pesca de cardume associado, que, principalmente no Nordeste, mais que triplicou as capturas nacionais da Bandolim.
Tradicionalmente no Brasil, as embarcações cerqueiras dedicam-se a pescarias das espécies pelágicas costeiras, como sardinhas, anchova, tainha e outros peixes de plataforma e tínhamos também 4 autorizações de pesca que já eram prévias ao desenvolvimento da argumentação e posicionamento nacional na ICCAT, duas com atum na autorização principal e duas com atuns na complementar, e estas informações foram reportadas à Comissão. Estas autorizações foram reconhecidas em CPG e houve inclusive uma readequação das espécies passíveis de captura incidental, visto que operam em regiões de Plataforma externa, muito embora as condicionantes recomendadas não estejam sendo plenamente cumpridas, é uma situação consolidada, embora frágil.
Recentemente, participamos de uma reunião bastante polêmica, entretanto muito bem-vinda, do CPG Atuns e Afins. Apresentações e discussões bem interessantes trouxeram à pauta a fórmula pretendida para fazer a alocação das cotas estabelecidas pela Portaria Interministerial nº 2 MPA/MMA 2023, onde a solicitação de parte dos representantes, incluindo este Conepe, foi pela publicação, por parte do governo, de uma Lista Positiva de Embarcações de Pesca, onde empresas e a sociedade possam ter acesso a nomes, números e confirmação de cumprimento das obrigações vinculadas à manutenção das Autorizações de Pesca já concedidas. As recomendações 06 e 07 (Link abaixo) refletem esta duplicidade e o ambiente polarizado de discussões.
Nesta mesma reunião, foram discutidos o fechamento de frotas que operam sobre estas espécies e a possibilidade de incentivo ao crescimento da frota de vara e isca no Sudeste e Sul, muito seletiva e com operação direcionada ao Bonito – listado - SKJ, cujo estoque está sub explotado e oferece condições de crescimento.
Neste 13 de junho de 2023, a publicação pelo MPA da Portaria SERMOP/MPA nº 51, que coloca em dúvida a estratégia, a governança e a credibilidade que se pretende da gestão pesqueira nacional, pois considerando as condições e o momento que vivemos com a ICCAT, deságua a Portaria sem sequer ter sido pautada, discutida ou ao menos informada, concedendo o Certificado de Registro e Permissão Prévia de Pesca, em conversão de modalidade, para a embarcação que opera com o método de vara e isca viva sobre o bonito-listado. Esta passará a pescar com o método de cerco, a qual a captura é menos seletiva e direciona também às espécies tropicais (BET e YFT), isto nos desvia das informações prestadas à ICCAT e do nosso Plano de Pesca (Link abaixo), protocolado junto à comissão em dezembro.
A Portaria é contraditória, nossos argumentos e postura recentes, a documentação por nós remetida e outros aspectos perdem a coerência, além disto, poderão suscitar questionamentos e requerimentos de outros interessados, causando, possivelmente, a perda de argumentação e equilíbrio que já estavam relativamente consolidados.
Esta é a visão deste Coletivo, de que o Gestor Público deve ter em conta uma perspectiva ampla e abrangente das consequências internas e externas de suas ações, atentando para argumentos históricos e de plena isenção.
A Portaria SAP/MAPA nº 643 de 2022, possivelmente seja a sustentação da atual publicação, possibilitando ajustes aqui e ali, em aparente benefício de A ou B e cuja lisura avaliaremos em mais detalhes, mas que mesmo assim, levanta questionamento quanto à aplicabilidade neste caso específico, pois é difícil estabelecer nexo entre seus artigos 1 e 3 e a situação em pauta.
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