
É com um misto de perplexidade e indignação que recebemos na semana passada o indicativo de decisão do governo de isentar o imposto de importação de alguns itens alimentícios, entre os quais, as conservas de sardinha. Saber que esta intenção não considerou parecer ou consideração do Ministério da Pesca e Aquicultura - MPA ou, mais sentido faria, do arranjo administrativo vigente, do compartilhamento MPA/MMA da gestão pesqueira. Isso nos faz pensar qual será de fato a visão e a sensibilidade desse Governo para com a Pesca e seus atores?
A Sardinha é, historicamente, o recurso pesqueiro mais abundante no Brasil, sendo que em 2024, projeções da indústria apontam para capturas acima de 100 mil toneladas, uma ótima safra, frutos de momentos oportunos da Natureza, fortalecidos, possivelmente, por corajosas medidas de ordenamento tomadas em 2020, algo que trouxemos à tona em recente artigo. (Poente 2024).
Quase duas centenas de barcos, com tripulações em média de 17 homens e mais que o dobro em empregos indiretos, envolvendo estruturas de abastecimento, descarga, insumos e transporte que compõem a cadeia de produção primária que, em sua maioria absoluta, é absorvida por indústrias de conservas, as maiores empregadoras na pesca extrativa, e fluem para um gigantesco esquema de distribuição comercial de varejo e atacado, refletindo, tranquilamente, mais de 50 mil fontes de renda para famílias brasileiras.

Um recurso genuinamente brasileiro, Sardinella brasiliensis, tradicional, histórico, que sustenta indústria, empregos e renda nacionais, passará a ter, sob o argumento de “combate à inflação”, a concorrência direta e não tributada do produto importado, produzido sob condições desconhecidas, seja ambiental, trabalhista ou fiscal, por uma mão de obra com encargos incomparáveis e condições de trabalho igualmente suspeitas.
Produtores e indústria, que desenharam estratégias e calcularam investimentos e

projeções, em um cenário de razoabilidade e governança, com um mínimo de segurança, são atingidas por um “tsunami” desse! Justo no mês de abertura de safra, sendo que desde outubro do ano passado as pescarias estavam proibidas, respeitando o período reprodutivo da espécie, em atenção à Norma Vigente. Difícil imaginar qual o Mandrake que surge com uma ideia dessa! Em que ambiente e sob que compromissos uma ideia tão vil pode prosperar e acabar proferida como decisão de Governo? Por ninguém menos que o Sr. Vice-presidente da República e o Ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, que lástima... que pequeneza, que trairagem!
Só se pode pensar que prevalece um Lobby imediatista e descompromissado, na contramão do Desenvolvimento, da Indústria, do Comércio e dos Serviços nacionais!
Pensar que, ainda em janeiro, o governo sancionou a Lei Complementar 214/2025, da reforma tributária que, em seus anexos excluía as conservas de pescado dos itens relacionados na cesta básica e, portanto, com alíquotas de taxação zeradas, isto prova a circunstancialidade, o imediatismo e populismo da ideia, não se trata de preocupação com o acesso à boa alimentação por parcelas menos favorecidos da sociedade, mas sim de mascarar, ludibriar a população meio que culpando as cadeias produtivas nacionais pelos resultados ruins de insistentes descaminhos administrativos do executivo, que insiste na manutenção e aumento da máquina pública e seus gastos.
Lembrar ainda que a proposta não se limita à Sardinha em Conserva, inclui azeite, açúcar, carnes, milho, café, biscoitos e massas, além do óleo de girassol. Ainda depende de aprovação pela Camex, reestruturada em 2023, cujo Comitê Estratégico, seu núcleo deliberativo, é presidido justamente pelo Sr. Vice-presidente da República e a composição com 10 Ministérios (Não incluído o MPA), reflete obviamente as vontades do governo. De toda forma, trabalhamos na tentativa de demover o governo desta ideia. Outras cadeias ainda mais sólidas e líderes globais de produção estão no mesmo esforço, quem sabe prevaleça a coerência, mas só de pensar que a ideia parte do governo, nos deixa atônitos.
Em outra frente, acompanhamos a sempre polêmica temporada da Tainha, espécie de

crescimento e desenvolvimento em sistemas lagunares/estuarinos, que em determinado momento combina estado fisiológico e gatilhos ambientais para aventurar-se, em grandes cardumes, no mar aberto, em migrações reprodutivas, que buscam áreas de costões e águas mais produtivas para desova e posterior desagregação.
Há, portanto, uma fase em que o recurso está no interior de lagunas e rios, disponível para pescarias artesanais interiores, destaque para a Lagoa dos Patos–RS, entre outras. Depois, caso sobreviva, ela pode migrar, dependendo do ano, bem costeira, em águas rasas e suscetível a pescarias de arrasto de praia, igualmente artesanais/comunitárias, ou mais por fora, em profundidades maiores e ficando acessível somente a barcos maiores e bem mais equipados, como as traineiras industriais ou ainda os barcos de emalhe anilhado, também considerados artesanais, mas com características óbvias de empreendimentos empresariais.
É uma espécie importante, capturas com grande variância interanual, chegando a atingir 6 mil ton., Painel Tainha 2024, cuja valoração está muito mais nas ovas do que no peixe em si. As ovas têm uma pequena produção nacional, mas são preponderantemente classificadas, congeladas e exportadas como matéria-prima, para processamento posterior, principalmente na Ásia, sendo que por muito tempo tiveram mercado também na Europa, desde 2018 fechado, por motivos sanitários/políticos com a Comunidade Europeia.
Justamente por isso, deveria a boa gestão estimular a captura em estágios avançados da migração, onde as ovas estão mais desenvolvidas e, portanto, a biomassa tem maior valor, além disto a possibilidade de sucesso reprodutivo é maior. Neste mundo de milhares de toneladas, modelos e processos multivariáveis, é nas probabilidades que se busca melhorias e avanços. Claro que se respeitando o tradicional e o social, mas com um enfoque técnico, econômico e é deste exercício que se potencializarão os benefícios sociais.
Assistirmos protestos, paralisações em rodovias, ameaças e judicializações contrárias à proposta de adoção de medidas que estabelecem limites para as componentes artesanais de usuários deste estoque comum é desalentador, ler Notas Técnicas timbradas por Universidades e departamentos de excelência na ciência pesqueira, argumentando exclusivamente sob a ótica social e defendendo o não estabelecimento de cotas é frustrante, quase criminoso.

Acompanhamos, há anos, o trabalho, às vezes exacerbado e cheio de ideologia conservadora do MPF/RS, contra traineiras e suas operações na Tainha, mas não vemos a mesma atitude em relação ao momento, acima de 50% da Tainha que foi declarada na Safra 2024 foi oriunda do Estuário da Lagoa dos Patos. Número assustador, indivíduos imaturos, em crescimento, pouco valorados. Mas quando se fala em lhes estabelecer uma cota, importante e significativa, de 2 mil ton., aí parece que mexeu no vespeiro!
“- Não, não e não! Nós somos artesanais, somos do Fórum da Lagoa dos Patos, conosco não tem limite!!”
Também o Arrasto de Praia, com suas características locais e toda tradição, agora sendo carburado por posições de simpatia puramente política. Desculpem, o problema é biológico-pesqueiro, requer enfoque técnico, não passional ou bairrista.
Ufaaaaa, enquanto não absorvermos que compartilhamos, entre variadas modalidades e regiões, os mesmos recursos e, que para o bem e a perpetuação de todos, principalmente

do recurso, mas também de nossas vidas, tradicionalidades, culturas e razões, precisamos nos entender como partes de um todo, onde cada um precisa reconhecer seus limites em respeito ao alheio e tudo sob um sistema de governança reconhecido e idôneo, até este dia seremos quase Neandertais, ou Skinheads, torcedores inflamados querendo o nosso bem-bom e a desgraça alheia, pensamento primitivo, diminuto!
Neste jogo de infâmias e individualismos, ambiente cheio de inseguranças e incertezas, o que se vê é a crescente descrença de pessoas comprometidas e éticas, com espírito empreendedor e ideais sólidos, criam-se os aventureiros, os sonegadores, os jogadores, prevalece o desconexo.
O cenário é turvo, o horizonte se fecha, navegamos às escuras.
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