Percepções, verdades, mentiras e incompreensões
- conepe
- 17 de jun.
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Atualizado: 22 de jun.

Incrível como o tempo corre, de nosso último artigo para cá, tanta coisa já aconteceu e tantas outras deixaram de acontecer!
Enaltecíamos naquele momento a Publicação da Portaria do Cação Azul e chamávamos a atenção para a importante e crítica pendência do NDF. O documento que valida a legalidade e obediência das normas do Estado de origem de produtos obtidos a partir de espécies listadas na CITES e que é obrigatório para o seu comércio internacional. Segue pendente, nada publicado! Para a cadeia produtiva, o pescador de convés, o armador, a indústria e para a cadeia de exportação, fica tudo travado, em claro desrespeito à Biomassa, 3-5% do peso vivo do animal, seus componentes mais valorados, as abas ou barbatanas, seguem desinteressantes, ancorados que estão nesta pendência técnico-administrativa. Emocional!
Mas aconteceram coisas piores, bem piores!
Nesse meio tempo, influências ideológico-ambientalistas latentes no IBAMA, a mesma Autoridade responsável pela elaboração dos protocolos e emissão do NDF, sempre sussurradas entre as paredes de seus gabinetes, ganharam volume e bateram à porta da Sra. Ministra Marina Silva, proferindo gritos de uma guerra ideológica absurda que, a despeito de todo ritual vencido pelos caminhos estabelecidos de governança, de participação social e de embasamento técnico científico, tudo dentro do complexo arranjo “compartilhado” do ordenamento pesqueiro, entre o MPA e o MMA, a convenceram de que, na verdade, a Portaria por nós enaltecida promovia a “legalização” da pesca do tubarão azul. Ora ora, que loucura e que falta de noção!

No âmbito da ICCAT, a Comissão Internacional para a Conservação do Atum do Atlântico que, além dos atuns gerencia também todas as espécies a eles relacionadas, por interações ecológicas e econômicas, cuida também dos tubarões oceânicos e, sendo os países, ou partes integrantes desta ICCAT, obrigados a reportar sistematicamente suas capturas, trimestral e anualmente e, sendo com base nestes reports consolidados que o corpo técnico científico da Comissão, o Comitê Permanente de Pesquisa e Estatística (SCRS) promove regularmente avaliações de estoque e propõe medidas de ordenamento, invariavelmente sugerindo Limites de Captura, que refletem até aonde a mortalidade por pesca pode ocorrer, sem que isto afete a capacidade daquele estoque se manter em seu rendimento máximo sustentável, corrigindo eventuais excessos e promovendo o uso de excedentes. Sugestão absorvida, cabe à Comissão, em sua componente mais político/diplomática, promover a alocação daquele Limite de Captura entre as partes, as famosas cotas. Isto para vários estoques, e dentro de um cronograma planejado e aprovado a nível de Comissão, limitado naturalmente pelo orçamento e disponibilidade técnica.
Em 2023, a Comissão promoveu a última Avaliação de Estoque do Cação Azul, tanto para o Estoque Norte como para o do Sul e os estudos, conforme o rito da Convenção foram submetidos à Plenária e resultaram na Recomendação 23-11, estabelecendo um limite de 27.711 ton.e que após negociações, baseadas principalmente no histórico de capturas, concluíram pela alocação de 3.481ton. para o Brasil. Baseado, portanto e repetindo, no histórico de captura legal e declarada pela frota brasileira, depois de consolidada por nossa Autoridade Pesqueira e sistematicamente enviada à Comissão. A sugestão, portanto, de que a Portaria estaria legalizando a pesca de tubarões no Brasil é infame e irresponsável, é ridícula! Assim como é ridículo a reticência da Autoridade CITES brasileira em promover a emissão do NDF e a consequente valoração da produção, do trabalho de cidadãos brasileiros!!
Temos sim a esdrúxula situação em que o Governo brasileiro, ou órgãos específicos dele, trabalha focado em piorar a situação conquistada pelo nosso país. Aquilo que o Brasil não capturar irá constituir o histórico futuro e será com base nele que futuras alocações serão compostas, bom para nossos concorrentes, bom para a Comunidade Européia, que já detém 17.405 de cota do Estoque Sul.
Na recente Conferência dos Oceanos, promovida pelas Nações Unidas, em Nice na França, durante os últimos dias 09 e 13 de junho, a FAO - Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura apresentou um

Relatório em Revisão do Estado dos Recursos Pesqueiros Marinhos do Mundo -2025, uma espécie de inter SOFIAs, os famosos relatórios bienais publicados pela FAO sobre o Estado Global de Pesca e Aquicultura. Algumas mudanças significativas na metodologia de consolidação das informações foram apresentadas e passarão a valer a partir desta revisão 2025, recém apresentada, entre elas, o relatório traz uma Seção, ou Parte, dedicada aos “Tópicos Especiais”, entre eles os Tubarões Migradores. Muito importante notar que a FAO, através de sua equipe de excelência em Pesca, aponta o Estoque Sul do Oceano Atlântico como ainda abaixo do Rendimento Máximo Sustentável, com baixa margem de incerteza neste diagnóstico, por entender que o embasamento científico das constatações é muito sólido. Falamos caros leitores, de uma apresentação da semana passada, saída do mais respeitado órgão de governança global de pesca e alimentação, num fórum top para os Oceanos, neste ano sob o tema: “Acelerar a ação e mobilizar todos os atores para a conservação e o uso sustentável do Oceano”. Insistir em negar evidências e fontes desta robustez, é insistir no factóide, na mentira.
Definitivamente, o país precisa entender e ordenar a pescaria nos moldes do que a Portaria Interministerial MPA/MMA nº 30 de 2025 propõe, seria um importante passo, não é o perfeito e o mais completo, mas é o possível e sensato, qualquer movimento contrário é negar a estrutura de governança proposta e acordada, é privilegiar a informalidade, é promover a política fiscalizatória arrecadatória e o criativismo de agentes quase reacionários, sob influência indevida e pouco ética de organizações que se auto proclamam detentoras de verdades e atuam à margem de lei, estes sim, em ações já chamadas de eco terrorismo, algo de que seus autores parecem se orgulhar e apesar da óbvia ruptura com os princípios do direito e da convivência civilizada, acha ainda simpatizantes nesse mundo com a sociedade cada vez mais marcada por polarizações e egocentrismos.
Vamos esperar que prevaleça o razoável e o respeito, que a Portaria se mantenha e evolua com seu amadurecimento, que o NDF seja publicado dentro dos rigores e objetividade devidos e que aqueles que atuam dentro das normas e sob as autorizações devidas possam usufruir e promover o uso adequado e responsável dos recursos naturais, em benefício e sob os enfoques da Bioeconomia.
Este caso, entretanto, evidencia outros tantos descasos e ineficiência do modelo vigente na gestão pesqueira nacional. Estamos há anos discutindo o Ordenamento da Sardinha Verdadeira, o maior recurso pesqueiro do Brasil em termos de produção, pouco mais de 100 mil toneladas em 2024 e uma safra 2025 bem encaminhada, tudo correndo bem e com boa produção desde 1º de março, mas com um ordenamento ultrapassado em distribuição geográfica e conhecimento científico, há comprovação de que a abrangência atual da espécie é maior do que aquela prevista, existindo indicativos muito firmes de que se trata de mais de um estoque. Isto precisa estar refletido no regime de normas, para que possamos exercer a atividade com maior eficiência em sua sustentabilidade e também segurança jurídica, livres de interpretações tanto por parte da fiscalização como de produtores, daquilo que pode ou não pode. Normas devem ser claras, diretas, embasadas na melhor ciência disponível, construídas e atualizadas com participação social. A mudança, expansão da área de abrangência da sardinha e de seu ordenamento até a fronteira sul da jurisdição nacional, foi acordada e sustentada tecnicamente em CPGs, não se justificam demoras e protelações na publicação de atualizações normativas.

Igualmente com o Pargo, outro importante recurso pesqueiro nacional que ocorre no litoral norte e nordeste, com destaque para o leste do Pará, onde se concentra a maior parte da frota nacional. Listada como vulnerável na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, foi incluída na famosa Portaria MMA n° 445 de 2014 e atualizações que, depois de muita discussão jurídica e técnica, lideradas em grande parte por este Conepe, teve, juntamente a outros recursos, seu uso autorizado, condicionado ao seguimento de um Plano de Recuperação. Não funcionou! O Plano propunha medidas de limite na mortalidade por pesca que pretendiam refletir numa recuperação da biomassa, previa a limitação do esforço pelo número de embarcações autorizadas. Mas sobraram brechas e, em realidade, o esforço seguiu acima do proposto, do calibrado e as mortalidades estão logicamente acima do sustentável, o que causa capturas cada vez mais marcadas por indivíduos jovens, ainda não maduros e, portanto, apontam para situações de mais ameaça ao colapso da pescaria pois, sem um estoque saudável e produzindo em seu potencial, a atividade extrativa sobre ele também mingua, todos perdem!
Esta realidade também foi fruto de muitas discussões, quase embates, no ambito do CPG, onde evidências operacionais/produtivas que eram insistentemente negadas foram comprovadas por estudos e avaliações recentes, que constituem “a melhor ciência disponível”, o que deve guiar a gestão. Desta discussão, saiu a recomendação de incorporar-se às medidas um limite de captura, regras de monitoramento mais sensíveis e o estabelecimento de um tamanho mínimo legal, o que pretende corrigir a tendência de capturas cada vez mais compostas por jovens e assim permitir uma maior biomassa reprodutiva, capaz de melhor “semear” gerações futuras e que promovam o desejado aumento da biomassa.
Apesar de maduras e esperadas, as medidas não foram transformadas em normas ou implementadas e, para a safra 2025, os equipamentos, a cadeia produtiva e seu entorno não foi adaptado, persistindo grandes mortalidades de jovens. A safra corre sob o regramento proposto em 2018, ineficiente e incapaz de reverter a deterioração da produtividade deste estoque. Ainda, em paralelo e fruto da criatividade fiscalizatória, nossa Autoridade, o IBAMA, sugeriu que a espécie entrasse em um regime aduaneiro especial – LCPO – Licenças, Certificações e Outros Documentos, regime sob o qual a Autoridade Aduaneira, Receita Federal, só pode permitir o embarque de cargas após a anuência do órgão fiscalizador, o que está vigente. A priori é interessante, mas o esquema “esbarra” na capacidade de análise e talvez na “vontade dos analistas em não prejudicar” a atividade. O que se vê é o acumular de cargas e do comprometimento financeiro, comercial e de credibilidade decorrente de demoras, sem que o problema central, a mortalidade por pesca esteja sendo atacado, em promoção de mais descontentamento e distância entre gestão, usuários e medidas burocráticas precárias. Insiste o órgão de Fiscalização em se envolver no Ordenamento, forçando aqui e acolá na implantação de documento por ele desenvolvido, o DOP – Documento de Origem do Pescado, que pretende o manter com o “poder” sobre os recursos. No fim, vemos quase uma psicopatia administrativa, onde agentes e seus influenciadores tramam estratégias e procedimentos que visam muito mais a eles do que aos recursos biológicos. Esses movimentos estendem braços e influências ao legislativo também, brotando Projetos que, pegando os caminhos e atalhos de regimentos, vão passando etapas do processo sem a devida atenção, amadurecimento, clareza e reflexo da vontade popular equilibrada, atendendo apenas à marotice e ao idealismo de pequenos grupos e seus financiamentos obscuros, sem que seja oferecido ao "pensar diferente" ou a correntes distintas as oportunidades de exposição de motivos, de justificativas, de argumentação e, portanto, de equilíbrio.
Em outro espaço, participamos recentemente da Oficina de Planejamento do 2º

Ciclo do Pan Corais, um grupo de especialistas e atores da sociedade envolvidos com estes ecossistemas tão especiais, que suportam grande diversidade marinha, são sistemas sensíveis, muito frágeis tanto a interferências físicas como aos efeitos de alterações ambientais, com um processo de “branqueamento” que evidencia stress e, se persistente, pode levar à morte destes organismos.
Bastante comuns no litoral brasileiro, esses habitats perdem em abrangência e, consequentemente, nos benefícios de seus serviços.
Merecem atenção e aprofundamento de estudos e compreensão dos fenômenos que lhes afetam.

Temos o compromisso de participar ativamente, buscando integrar inclusive o GAT – Grupo de Assessoramento Técnico. Nesta etapa do Pan Corais, vamos colaborar e buscar minimizar impactos, tentando colaborar com nossa experiência e perspectiva, mas entendendo que mudanças climáticas, saneamento básico, controle de efluentes e a pressão imobiliária têm impactos possivelmente maiores que a pesca sobre esses sistemas, e que o Planejamento deve ser muito mais abrangente do que proibir pescarias e propor unidades de conservação, é preciso uma profunda análise e redirecionamento do Pensar Oceano, isto não se dá via Diário Oficial, mas por um compromisso da Sociedade que envolve Educação e a consolidação de uma Cultura.
Bastante enfocado em nossas discussões e estabelecido como Área P

rioritária está o recém descrito (2016) sistema recifal coralino da Plataforma externa do Pará, que se estende do oeste maranhense ao noroeste do Pará, seu mapeamento ainda precisa refinamentos e validações, mas sua importância é vital, inclusive para sustentação do já citado Pargo, das lagostas e de tantos outros recursos que certamente dependem dele em seus ciclos de vida e renovação. Também, mais no sul do Brasil, no talude médio, existem os corais de profundidade, pouco conhecidos, enigmáticos, onde antes se pensava que esses organismos dependiam da incidência de luz, hoje se tem a comprovação de seu desenvolvimento em cores vibrantes, mesmo em profundidades afóticas, evidenciando nosso limitado conhecimento e mostrando áreas para esforços futuros em pesquisa e conhecimento.

Ainda no início de junho, participamos em Berlin da comemoração dos 10 anos da FiTI. Iniciativa pela Transparência na atividade pesqueira, pela publicidade de informações de propriedade, produção, cadastros e leis/normas, registros e outras informações relevantes vinculadas à atividade, seus beneficiários e gestores.

Um enorme prazer e oportunidade de dividir espaços e contextos com outros conselheiros e com a sua executiva, à qual fomos indicados pelo grupo ALPESCAS, onde já temos países formalmente compromissados com seus termos e outros em aproximação. O Brasil vai tomando ciência e esperamos que também se engaje neste movimento, o qual não pretende substituir ou se intrometer em princípios de soberania, mas indicar caminhos e protocolos visando a sustentabilidade, a credibilidade e a ética da atividade em suas variadas perspectivas.



Importante também e merecedor de destaque, a aprovação no final de maio pelo Plenário da Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 6969, desde 2013 em desenvolvimento, com seus avanços, recuos, resiliencia, inclusões e exclusões de ideias, muitas consultas e oportunidades dos variados setores a opinar e trazer à discussão pontos de vista distintos e peculiares a cada atividade econômica que faz uso desse ambiente, em intrínseca ligação com o Planejamento Espacial Marinho, que também vai ganhando maturidade e formalidade, formalmente instituído pelo Decreto n° 12.491, deste 2025. Já nos posicionamos em artigo anterior, entendendo que temos um texto ponderado e acreditando necessário um instrumento legal que promova o entendimento e o uso do ambiente e seus recursos de forma equilibrada e respeitosa entre as diversas atividades. Seguindo o trâmite legislativo, o texto passa agora para o Senado e sua avaliação.

Finalmente, destacar a agenda CONABIO, que prevê para o final deste mês, uma reunião para consolidação da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, na qual várias espécies de importância pesqueira estão consideradas, algumas já listadas e com algumas mudanças de avaliação pelas equipes sob coordenação do ICMBio e outras para entrar, destaque para o Corvina e o Porquinho. Sempre com sua aplicação polêmica e questionável a recursos pesqueiros, o método IUCN que embasa estas avaliações tem pontos de divergência importantes em relação à Ciência Pesqueira. A estruturação legal e normativa nacional impõe ações invariavelmente complicadas quanto aos impactos socioeconômicos de normas restritivas ao uso desses recursos. Mais uma vez, cria-se um ambiente de disputa entre órgãos e ideais, não necessariamente focados no recurso e seus usuários, mas sim numa predominância do “poder”.

Inclusive o Plano de Gestão da Corvina, outro documento amadurecido e desenvolvido em ambiente participativo e plural, ainda não está publicado, travado que ficou nos meandros das discussões MPA/MMA e com onipresença do IBAMA e suas intrigantes pretensões no ordenamento.
Esperar que esta Conabio tenha ponderação e faça prevalecer os aspectos técnicos pesqueiros sobre os recursos desta natureza.
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